Marajó - Brasil

Ilhas de Marajó: pedacinho do Brasil








Depois de algumas visitas aos bairros de Breves e as comunidades ribeirinhas próximas dali, encontrei “Maria” num dos bairros mais pobres, chamado Cidade Nova II e compartilho com você uma das muitas histórias comoventes que conheci:






- De onde a senhora é?


- Daqui – respondeu “Maria”, nome fictício de uma história real, que representa a história de muitas outras “Marias”.


- Nasceu aqui neste bairro? – voltei a insistir, pois me chamava a atenção sua resposta uma vez que eu sabia que aquele bairro, “Cidade Nova II” surgiu há uns dois anos, após uma ocupação feita por pessoas vindas do interior com o sonho de melhorar de vida. Talvez minha pergunta não tinha ficado clara e ela compreendeu que eu estava me referindo a Marajó e região..


- Mas quando!... Eu nasci em Santa Rita que fica rio adentro, mas como a vida lá tava muito difícil, viemos prá cá, eu meu marido, mais meus filhos.


Pouco ou quase nada sabemos sobre a vida dos ribeirinhos - pessoas que habitam as margens do Rio Amazonas. São milhares de famílias espalhadas nos igarapés e vivem em palafitas (casas de madeiras sobre a água), distantes uma das outras ou às vezes agrupadas unidas por pontes, formando comunidades.

A única via de acesso aos ribeirinhos é o rio e eles utilizam como transporte o casco (canoa) e alguns possuem um barco a motor, como forma de chegar à cidade a procura de alimento, medicamento e tudo mais. Eles levam mercadorias para comercializar no mercado e, é claro, visitar uns aos outros.



De repente, vejo passar no rio um casco com três crianças, a menor devia ter não mais que quatro anos e todas se dirigiam para a escola, que também fica à margem do rio. Há uma grande carência de professores nesta área, visto que, os professores que vem de Belém devem se mudar e morar nas ilhas, inclusive, dentro da própria escola e não é nada fácil se adaptar a esse modo de vida. Geralmente, a sala é dividida em até quatro turmas (por fila) e as aulas acontecem com a mesma professora simultaneamente.


Seu principal alimento é o açaí, algumas pessoas chegam a não comer se este faltar a mesa. O açaí é misturado com farinha de mandioca da grossa (artesanal), também adicionam camarão seco, açúcar ou com aquilo que tiverem. Eles comem peixe, carne de mato (macaco, bicho preguiça, tatu, tartaruga, caititu (porco do mato), paca, galinha, e outros) que temperam com seu único condimento, ou melhor, colorante que é o urucum. É típico daquela região os seguintes pratos: tacacá, batapá, tucupi e maniçoba (cozido das folhas da mandioca).





Mesmo sendo extrativistas, eles respeitam muito a natureza, tirando dela apenas aquilo que precisam, nem mais nem menos. Vivem o tempo presente sem preocupar-se em acumular como o mundo capitalista nos impõe. Esse modo de levar a vida se traduz também na relação com o próprio tempo, diria que não são acelerados e estressados como nós.


Ainda é a malária o pior inimigo desse povo, embora muitos a desconheçam, é responsável pelo maior número de mortes do mundo. O sistema de saúde é muito precário na região, eles dependem das cidades mais próximas para serem atendido quando conseguem. Muitos deles possuem conhecimentos sobre plantas medicinais que ajuda em muitos casos, mas não é o suficiente.


- A senhora, tem quantos filhos?
- Sei não – responde essa mulher que se encontrava grávida de sete meses e segurava uma criança no colo, enquanto outra dormia na rede e outras cinco ao redor da mãe disputando um pedaço de saia para segurar. Naquela região é comum que ao citar o número de filhos, incluam os filhos mortos também, por exemplo, tenho 5 vivos e 2 mortos. O fato é que as famílias continuam a ser numerosas por tradição ou por falta de informação. É verdade também que como o índice de mortalidade infantil é grande, eles apostam no número.








- Quantos anos você têm?
- Não sei, meu marido é quem sabe – rapidamente baixa a cabeça como que envergonhada de não saber.


Para não provocar mais constrangimento na “Maria”, comecei a comentar das quão bonitas eram as crianças e a sua casa. A casa era uma palafita de um único ambiente, feita de madeira e sem paredes, apenas as colunas e a fachada. Todos dormem em rede amarradas no teto, o banheiro fica do lado de fora e para chegar até ele tem que ser um equilibrista sobre uma tábua de madeira fina e comprida. Até parece que Toquinho se inspirou aqui quando compôs a canção que diz: “Era uma casa muito engraçada, não tinha parede não tinha nada...” Precária ou pobre ou pouco protegida dos mosquitos e da chuva, não impede a condição de ser um lar, um belo lar!.




No lado esquerdo, onde supostamente era a cozinha, sobre um fogão improvisado a lenha, havia uma frigideira com três peixes dentro. Ao falar que pareciam apetitosos, ela me conta que estes peixes haviam sido pescado pelo seu esposo durante toda uma semana, e que misturado com um pouco de farinha de mandioca e de açaí, era tudo que a família tinha para comer naquele dia e talvez naquela semana. Agora sim podia entender porque aquela criança no seu colo tinha um ano e meio, apresentava todos os sinais de desnutrição avançada e uma barriga típica de quem tem parasita. Sem dizer que ela ainda não falava, nem caminhava. As demais crianças também eram bem mais miúdas do que o normal, de olhar distante, como que perdido. Tentei falar e brincar com elas, mas não tive nenhuma resposta. Olhando rapidamente a pequena casa, percebi que não havia sequer um brinquedo, havia sim pouquíssimas roupas penduradas sobre um varal e outras amontoadas dentro de uma sacola plástica. Queria muito ouvir a voz dessas crianças e compreender como viviam sua infância.

Logo comecei a fotografar e a mostrar através do visor da maquina digital, a imagem delas, no inicio estranharam e ficaram um bocado apreensivas, me imagino que elas se perguntavam: como é que foram parar ali dentro? Aos pouquinhos se soltavam e com seu olhar e meio que pousando me pediam que eu continuasse a fotografá-las, sempre no silêncio. A mãe me observava e ria, penso que também ela queria participar desta relação que se iniciava.

- Êta, esses meninos agora só querem saber de ir pra escola!– me fala a mãe com certo tom de felicidade de que finalmente quatro de seus filhos, entre eles um com já 10 anos de idade, começaram a freqüentar uma escola, pela primeira vez na vida.

Crianças que muitas vezes tem que pedir esmola para ajudar sua mãe a colocar comida na mesa. Crianças que se prostituem por apenas uma lata de óleo, um prato de comida, por ate R$ 0,50 centavos ou até um enfeite de cabelo, porque como toda menina quer ser vaidosa. A prostituição infantil em Breves vem sendo um assunto bastante polêmico no Estado do Pará, principalmente depois das denuncias feitas no inicio deste ano, por Dom Azcona - Bispo de Marajó, quem vem recebendo inúmeras ameaças de morte.


Breves tem essa realidade devido a sua localização geográfica, é uma cidade portuária dentro da rota de todas as embarcações vindas de Manaus, Santarém, Guiana Francesa, Macapá e outras localidades rumo a Belém.

O município de Breves, situado numas das ilhas ao sul do arquipélago de Marajó, considerado o maior arquipélago flúvio-marítimo do mundo. Distante 292Km de Belém o que representa 12 horas aproximadamente de viagem num barco com capacidade de 300 passageiros em média. Marajó abriga 12 municípios e é um importante santuário ecológico do planeta pela sua rica biodiversidade. A paisagem é formada por florestas, campinas, gramados, praias de rio, lagos de todos os tamanhos, furos e igarapés. Tem uma fauna composta de diversas aves (tucano, arara, guará, ...), jacarés, arraias, uma variedade de peixes e o famoso boto rosa, que até hoje, alimenta diversas lendas populares.

- Seu marido está no trabalho agora?
- Mas quando? - em outras palavras: imagine, que bom se fosse verdade!

Não há empregos, as pessoas quando não são funcionárias do Estado, são comerciantes ou tem alguma outra atividade profissional específica. Passam fome SIM, porque apesar de morarem nas margens do rio ela precisam de embarcações para pescar no rio afora, já que suas margens estão poluídas. Portanto, faz-se necessário organizar cooperativas, mas falta incentivo para isso.


A economia de Breves é baseada no extrativismo, destacando-se açaí (fruto da palmeira que dá o palmito), copaiva, carvão e antigamente da madeira. Entretanto, devido à intensidade da exploração florestal e falta de reflorestamento, as matas encontram-se bastante esgotadas dessas espécies.

Hoje o município enfrenta o grande desafio de encontrar alternativas para dinamizar sua economia, e dar conta de seus quase 90 mil habitantes sendo que mais de 70% desta população esta desempregada. Um aspecto importante que afetou o índice de desemprego foi o fato de fecharem muitas serrarias, mesmo àquelas que estavam regulares, acabando com o emprego na região, levando muitos a sair dali e procurar a cidade, aumentando a miséria que já é grande no Marajó. Famílias numerosas que se deparam cotidianamente com a fome e a miséria se generaliza.



- Embora buscar água! - pede “Maria” para sua filhinha – a palavra “embora” é muito utilizada e substitui o “vamos” e o vai....


Nos bairros mais pobres de Breves, não há eletricidade nem água. As pessoas (em geral as meninas) devem buscar água nos poços artesianos construídos em pontos estratégicos (perto da igreja ou da escola). Fazem inúmeras viagens com o balde sobre a cabeça, carregando água até terem o suficiente para a família cozinhar, tomar banho, lavar a roupa e demais necessidades. Já, nos ribeirinhos basta ir até o trapiche, jogar o balde amarrado num pedaço de corda e puxar a água, bem mais fácil.


Essa mesma água que não recebe nenhum tratamento é utilizada para a cozinha. Para tanto, eles a colocam dentro de num recipiente de barro e agregam algumas gotinhas de cloro e esperam decantar um pouquinho a terra para depois ser utilizada.


- Você recebe algum tipo de ajuda? - indago


No meio de toda esta realidade é bonito ver, pessoas que se dedicam a ajudar e tentar mudar um pouco deste quadro. Falo especialmente do Projeto Anjo da Guarda (desenvolvido pelos leigos missionários da Renovação Carismática Católica), que reúne 100 crianças, semanalmente, e dá a elas a oportunidade de serem crianças. Através de jogos, do lúdico, do estar junto e do contar histórias, proporcionam momentos felizes num cotidiano tão difícil. O projeto tem oficinas de artesanato e faz reforço escolar e aos poucos entram na realidade de cada família e tentam com elas buscar soluções para minimizar os problemas.





- Bom “Maria”, devo ir..... – Hoje, enquanto escrevo este texto, confortavelmente na minha casa, me pergunto: como estará neste momento a dona “Maria” e seus seis filhos? Como estará toda essa “... gente que rí quando deve chorar e não vive, apenas aguenta” (Miltom Nascimento). Este pequeno texto certamente será lido por pessoas de todas as regiões do Brasil e o meu desejo agora, é que de alguma forma amplie nossos olhares sobre esta e tantas outras realidades, amadurecendo em nós nossa fraternidade